Esquentando

O calor o incomodava.

A sensação de estar esquentando mais do que as roupas que vestia era de longe um castigo, quase como que uma punição, pelo menos era o que ele pensava.

Ele ficava atordoado ao pensar no líquido quente que emanava de seus poros, atravessando camadas e camas de pele com o intuito evolutivo de resfriar seu corpo, mas que, como efeito, encontrava justamente o oposto resultado, deixando-o úmido e mais suado.

Vivia em constante fuga do clima quente e árido, muito embora não morasse em nenhum deserto, mas em algum lugar dos trópicos onde a essa altura da vida esperava já estar acostumado a temperaturas elevadas, porém, algumas vezes o corpo não é moldado pela rotina e dessa forma ele ainda batalhava contra as ondas de calor constante.

Mas nem sempre fora assim em sua vida. Lembrava-se de um tempo em que estas questões climáticas não lhe eram preocupantes e até lamentava os dias frios e cinzentos que algumas vezes apareciam, privando-o do calor.

Porém, os banhos quentes começaram a incomodá-lo, primeiramente não era nada com que se preocupar, bastava desligar o chuveiro e assim aproveitar o alívio temporário que aquilo lhe proporcionava.

Com o passar do tempo, se viu hipnotizado lavando as mãos em água corrente demorando mais do que o tempo normal para limpá-las, apenas pelo prazer de sentir o gelado batendo contra sua pele.

Se viu tomando líquidos cada vez mais gelados, quase a ponto do congelamento e, quando tomar bebidas nestas temperaturas não estava adiantando, ele começou a mascar gelo e isso trazia um alívio temporário, mas ainda não era a solução final.

Começou a ansiar a volta para casa para demorar-se o tempo que julgava ser necessário para aplacar o calor que sentia. Sentia-se sujo, mal lavado, fétido.

Banhava-se com fúria e só era possível diminuir essa sensação com águas cada vez mais geladas.

O pico máximo de sua paranoia foi quando não satisfeito com a temperatura gelada que dispunha de seu chuveiro, adentrou numa banheira de gelo e mesmo assim o alívio durou enquanto o gelo não atingia a temperatura ambiente. A partir daí concluiu que precisava de ajuda.

Exames foram feitos: sanguíneos, neurológicos, cardíacos, hormonais, cutâneos e nenhum foi capaz de dizer o que estava errado com ele, pois não havia alterações em seu corpo, todos seus exames mostravam um nível anormal normalidade, não indicando o que poderia ser a causa de seu flagelo.

Quando a medicina lhe falhou, o desespero tomou conta e, juntamente com calor que sentia, se instalou nele provocando tremores e suores que empapavam suas roupas, cabelos e barba.

Já neste momento, ficava a maior parte do seu tempo embebido em água congelada, torcendo para que o alívio momentâneo durasse tempo o suficiente para que ele não sentisse o mormaço que o espreitava fora da banheira.

Não saía mais, não aparecia nos seus compromissos nem no trabalho dava as caras. Eram ambientes hostis rodeados de uma névoa espessa de calor, sudorese e mormaço que a mera lembrança o deixava mais nervoso, mais suado e menos disposto a sair de seu casulo gelado.

Devido a este cenário, foi deixado de lado pelos amigos, isolado da família e demitido de seu emprego, de onde vinha sua renda, seu sustentáculo para manter ele gelado e seguro.

Desesperado, lembrou-se de que em meio a natureza, seria possível encontrar o alívio definitivo estando embaixo das águas geladas de uma cachoeira. O plano lhe fornecia a oportunidade de acesso a volumes constantes de água quase congelantes e com certeza, isso seria o que ele iria precisaria para retornar a vida no eixo e, munido do pouco da determinação que lhe restava, rumou para a cachoeira mais próxima.

Embrenhou-se mata adentro na esperança de encontrar um veio d’água para quem sabe, nadar até a queda mais próxima, porém não encontrou nem veio, nem rio, nem água, nem cachoeira.

E ali, no meio da mata, longe de qualquer chance de dar fim ao seu incomodo, caiu prostrado de joelho, sentindo cada pedaço da sua pela em brasa, consumindo-o como fogo que primeiro ardia nas suas camadas internas, borbulhando, transformando seu corpo num caldeirão maleável e seu sangue numa quente sopa que derretia todo seu interior, deixando como rastro nada mais que uma poça de um líquido sem forma que seria tragado pela terra, que desceria até fundo do solo, numa fria escuridão, onde ali estaria o seu eterno alívio.